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Com canto e repertório lancinantes, Tim Bernardes aguça a dor em show no Rio

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Tem melancolia, mas tem esperança”, ressaltou Tim Bernardes para o público que lotou o Theatro Net Rio na noite de ontem, 24 de janeiro de 2018, para assistir ao primeiro show solo do cantor, compositor e polivalente músico paulistano na cidade do Rio de Janeiro (RJ). Desta vez sem O Terno, trio paulistano com o qual ganhou projeção ao longo destes anos 2010, Bernardes voltou ao Rio para apresentar o show calcado no repertório do primeiro álbum solo do artista, Recomeçar (2017), um dos discos mais celebrados pelo universo pop brasileiro no ano passado.

No álbum Recomeçar, Bernardes é o homem-orquestra que rege sublime sinfonia da dor de (des)amor. No show, o artista consegue reproduzir o clima introspectivo e depressivo do disco sem o aparato orquestral da gravação de estúdio. Em cena, Bernardes está realmente solo, dividindo-se entre o canto e o toque de instrumentos como piano e guitarra, suficientes para criar a atmosfera íntima de show que procura evocar o ambiente do quarto em que surgiram, solitariamente, as canções e o conceito do disco.

Na sedutora estreia carioca, o show justificou todos os elogios superlativos que o álbum Recomeçar vem recebendo desde setembro de 2017. Assim como as canções que rimam amor com dor, em versos elevados por poesia embebida em doses bem maiores de melancolia do que esperança, a voz de Bernardes tocou em pontos nevrálgicos de relações afetivas marcadas por abandono e rejeição. Os falsetes lancinantes do cantor ressoaram no ambiente escuro do teatro, provando que a voz doída de Bernardes é humana, real, verdadeira na exposição da dor, e não um produto forjado pela tecnologia do estúdio.

Assim como a plateia, o palco ficou intencionalmente escuro na maior parte do show. Foi iluminado somente por um holofote que o cantor apresentou ao piano Recomeçar (Tim Bernardes, 2017) e Talvez (Tim Bernardes, 2017), as duas primeiras músicas de roteiro que extrapolou o repertório do álbum solo do artista sem trair o espírito do trabalho. A partir de Tanto faz (Tim Bernardes, 2017), o cantor-músico se acompanhou sobretudo na guitarra até voltar para o piano ao fim do show, no arremate de roteiro bem costurado.

Como ficou evidenciado no show, em músicas como Pouco a pouco, o toque da guitarra de Bernardes é preciso, sendo sempre posto a serviço da canção. Em bom português, não houve exibicionismo e tampouco nota jogada fora porque o que alavanca tanto o disco como show é o sentimento pungente que reverbera em canções como Ela (Tim Bernades, 2017), Quis mudar (Tim Bernardes, 2017) e Não (Tim Bernardes, 2017).

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Tim Bernardes no show ‘Recomeçar’, no Theatro Net Rio (Foto: Mauro Ferreira)

Fora do arco autoral do álbum Recomeçar, Bernardes mostrou sagacidade ao ressignificar, dentro da atmosfera do show, músicas como Que nega é essa (Jorge Ben Jor, 1972) e Esotérico (Gilberto Gil, 1976), dando novo e possível sentido às letras dessas duas composições unidas em medley no roteiro do show. Transpor música do repertório sacolejante de Jorge Ben Jor para o clima melancólico de Recomeçar foi proeza maior do que dar voz a uma bela balada do repertório do grupo britânico de heavy metal Black Sabbath, Changes (Tony Iommi, Ozzy Osbourne, Geezer Butler e Bill Ward, 1972), já naturalmente entranhada na mesma atmosfera do repertório de Bernardes.

Lindamente cantada pelo vocalista d’O Terno, Changes figurou amalgamada com Paralelas (Belchior, 1975) no roteiro do show Recomeçar. Contudo, Paralelas surtiu menor efeito no roteiro, talvez porque, a julgar pela estreia carioca, a canção de Belchior (1946 – 2016) foi a única música do show em que Bernardes pareceu mergulhar mais superficialmente no sentido dos versos da letra.

Dentro do repertório do grupo O Terno, o artista foi feliz ao pescar Vamos assumir (Tim Bernardes, 2016), pérola do terceiro e mais inspirado álbum do trio, Melhor do que parece (2016). No show, a música teve acentuado o tom melancólico em número que culminou com distorções e efeitos de guitarra.